quarta-feira, 7 de abril de 2010

quem canta seus males espanta

A “beleza” vale-se de todos os nossos sentidos, e ainda assim, não é absoluta e nem completa.
John Locke observou que tudo o que sabemos sobre o mundo vem do que vemos, ouvimos, cheiramos, tocamos ou degustamos. Assumimos assim, que o mundo seja exatamente como o percebemos. Porém, diversas experiências em distorção sensorial mostram que não é verdade, e talvez as mais convincentes sejam as que envolvem a ilusão óptica – o que leva a crer também, que os olhos são, entre os sentidos, o que é mais facilmente confundido.
Wassily Kandinsky deixou-nos algumas considerações sobre a arte, o belo e o não-belo:
“Quero dizer que lhes acontece serem subitamente arrastados para longe das ‘novas feiúras’ e deixarem-se seduzir pelo charme de uma beleza mais ou menos convencional. Muitas vezes o ouvinte fica chocado (em relação à música, em especial à música nova, que vinha surgindo e alguns compositores que estavam sem dúvida muito à frente do seu tempo). Tem a impressão de ser projetado – como uma bola de tênis – por cima da rede que separa os dois parceiros: o partido do “Belo exterior” e o do “Belo interior”. (..)
“O ‘belo interior’ é aquele para o qual nos impele uma necessidade interior quando se renunciou às formas ‘convencionais’.
A beleza é para mim, incontestavelmente pessoal. Ela é algo que reverbera na origem dos sentimentos do observador, de forma a atingir a voz própria “Necessidade Interior”.
Quando Kandinsky fala das formas “convencionais”, refere-se ao academicismo, aos desejos de uma época, “regras” e tendências, que segundo ele (e eu concordo plenamente), “só nos desorientam e nos levam à incompreensão do que ela (a beleza) realmente é”.
Beleza é indefinível na forma de Lei. Muitas vezes, só haverá num experimento, uma amostra correta, e todas as outras serão exceções. Simplesmente – ou complexamente – não é generalizável.
Isso se aplica não apenas à criação e expressão pessoal, mas também na tomada de decisão se para si, algo é ou não belo. Os parâmetros desta decisão são internos e sagrados. Estes parâmetros são passíveis de mudanças. Ponto. Do ponto de vista da neurociência cognitiva, como diz Daniel J. Levitin sem seu livro “Uma Paixão Humana – O seu cérebro e a música”, nossos cérebros atualizam suas opiniões – sobretudo no que diz respeito à percepção dos estímulos visuais e auditivos – centenas de vezes por segundo, sem sequer nos darmos conta. Diz ainda, que lesões na área imediatamente atrás da testa podem originar alterações dramáticas de personalidade, roubando aspectos que nos são muito próprios.
Acho fascinante quando ele reafirma que a amídala é o centro emocional dos humanos. No decorrer do curso Antropomusica, li a respeito da laringe estar intimamente ligada ao pensar e ao ato criativo. Somando à afirmação de Kandinsky que “a música é por excelência ‘A Arte’ para exprimir a vida espiritual do artista”, penso que nós, humanos, não temos a mais vaga noção do poder de atuação do canto, em si, nos outros, no Universo inteiro.
Para mim, o que classificamos como “Belo” é, como no mito da caverna de Platão, apenas uma faceta do que é de fato em outro plano a Beleza em toda sua totalidade, em suas nuances, dimensões e demais aspectos imperceptíveis ao corpo físico. Assim como na observação fenomenológica de Goethe quando aplicada à música, que nos leva a crer que a música feita neste mundo – que passa pelo filtro humano que corresponde ao compositor – é na verdade uma espécie de “tema e variações”, um reflexo do que é na verdade a Música do Cosmos, que chega ao compositor através de “sonhos”, que o atingem diretamente na alma, sem depender dos sentidos do corpo físico.
O belo é tão importante para nós, por sermos intimamente ligados à natureza. Ele reverbera dentro de nós por vibrações simpáticas, e tem a ver com o que identifico com o meu desejo (que note, nem sempre está ligado à alegria, muitas vezes uma música ‘triste’ nos faz chorar, muitas vezes, de tão bela ela nos soa), e o que já é parte de mim. Assim como aquilo que frequentemente detesto no Outro, é também, aquilo que há de mais insuportável para mim, em mim mesmo.
O julgamento do belo envolve intuição, a reverberação interna com relação ao fenômeno observado. Tem a ver com comunicação. Já que o fenômeno simplesmente É, e independe de mim.
Neste julgamento, sofremos influência de fatores históricos, das tais “formas convencionais” acima mencionadas, da psique, e por exemplo, da ativação de neurônios ativados no ‘núcleo accumbens’ (parte de uma rede de estruturas envolvida nos sentimentos de prazer e recompensa).
Volto à Kandinsky: “Durante o período materialista, formou-se um homem incapaz de humildemente se colocar diante do fenômeno a ser observado. Este homem, jamais busca sentir a vida interior daquilo que observa, tão pouco permite que ela atue dentro de si. Ofuscado pelos meios exteriores, seu olhar interior não se inquieta com a vida que se manifesta com a ajuda desses meios. (...) Quando temos com alguém uma conversa interessante, procuramos penetrar nesse alguém, ficamos curiosos por sondar-lhe a alma, os pensamentos, os sentimentos. Na conversa, o processo ‘vibração> tímpano/olhos/nariz,etc (elementos físicos)> consciência (psique)> reação nervosa (fisiológico)...’ é secundário! O essencial é a comunicação de idéias e sentimentos”. O mesmo, na comunicação da música cantada e o ouvinte.
‘Onde’ as funções do cérebro coordenam suas diferentes regiões – fazendo-nos pensar, rir, chorar, tomar decisões – na verdade não nos interessa, a menos que o ‘onde’ fosse capaz de nos dar alguma pista do ‘como’ e ‘porquê’, que é o que busca a neurociência cognitiva.
Por tudo isso, discordo, de forma extremamente arrogante, de grandes filósofos que dizem que o Belo pode ser ensinado; que seja "o que é agradável à vista e ao ouvido"; que esteja nos olhos do observador.
Acredito, que, talvez, mais próximos estejam de poder estabelecer algum conceito ou classificação do ‘belo’ estejam aqueles que conseguem aproximar a física quântica e a espiritualidade.
Para mim, o que é belo, é o que eu sinto como belo, e é incontestável. Nessa hora, concordo com Platão, quando ele diz que “O Belo, é a Verdade”, e também com Kant, quando afirma que “o juízo de belo é anterior ao prazer”.




Navras - Don Davis

Um comentário: